Por quê a visão tradicional em gestão de projetos não gera resultados efetivos?
Por quê a visão tradicional em gestão de projetos não gera resultados efetivos? Simples: ela vai contra a natureza do fenômeno projeto! A abordagem tradicional, segmentando áreas de conhecimento e ciclo de vida de projetos, orientado a processos é um contra senso a natureza do projeto. Mas por quê ela tem tido tanto sucesso? Por ser uma simplificação da realidade!
O fato é que a natureza do fenômeno “projeto” não é explorada na sua completude por ser complexa. Em congressos, artigos e reflexões cheguei a algumas definições possíveis:
- projeto é uma intervenção em um sistema perene, criando uma estrutura temporal para otimização do sistema, e elevação de sua performance
- projeto é a identificação de uma melhoria no status quo, que tem a função de imprimir um rompimento com a realidade corrente.
- projeto é um exercício da psique humana na busca pela mudança da realidade até encontrar sua zona de conforto.
Boutinet (1999), engloba uma definição abrangente, olhando o fenômeno projeto sob a abrangência da antropologia. Ele aponta que todo projeto supõe ruptura com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma estabilidade em função da promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente. Um projeto pode ser tomado como promessa frente a determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores. Dentro dessa lógica, o conceito de contrato psicológico se acopla com a perfeição de uma melodia.
Olhando mais profundamente, para algumas dessas definições, a super simplificação do conceito utilizado como base na visão tradicional se torna longínquo do seu real significado.
A lógica dominante na gestão de projetos tradicional, e vem da década de 80, onde a visão cartesiana do mundo ainda não dispunha da capacidade de processamento oriunda da micro computação. As ferramentas de gestão da qualidade eram a grande novidade a época. O Total Quality Management (TQM) e a visão de processo de negócio, ou Business Process Model (BPM) trouxeram mais tarde a lógica da reengenharia. Até então tudo sob controle e o foco na qualidade e no ciclo de vida da produção e na sua redução de custos era o centro das atenções. O número de interações era outro. A ilustração abaixo é uma metáfora, onde é possível observar a nossa relação com espaço virtual à época, comparada com os dias atuais:
Aqui nasce boa parte da dissonância da gestão de projetos tradicional: utiliza o fenômeno processo e sua lógica de gestão para tratar de um fenômeno que é o seu oposto! Deixe explicar melhor: “processo é a sequência de atividades realizadas na geração de resultados para o cliente, desde o início do pedido até a entrega do produto. De acordo com outro conceito mais moderno, que é multidisciplinar, é a sincronia entre insumos, atividades, infraestrutura e referências necessárias para adicionar valor para o ser humano”… sendo um fenômeno focado em replicabilidade e repetitividade… então, como utilizar ferramentas de um fenômeno que tem como base se perpetuar, em um fenômeno que é o seu oposto? Projeto é único!
Ter uma norma, com uma visão geral de quais elementos olhar para ter uma gestão de projetos mais efetiva é interessante, ajuda na constituição de linguagem em comum, contudo isso pode ser o início da jornada. Digo isso, pois a partir da década de 90, reconhecermos o fenômeno da globalização e consequente necessidade de interação de vários povos, várias culturas e várias línguas para poder entregar a multidisciplinaridade.
A partir de então a integração e ambiente hipercompetitivo começaram a surgir… as organizações tiveram que encontrar uma forma de sobreviver, se adaptando ao ambiente. Essa adaptação constante de seus produtos e serviços para se moldar a nova cultura unificada acelerou o ciclo de vida dos produtos, e consequentemente das tecnologias envolvidas.
Nasce nessa época o mais conhecido referencial em gestão de projetos utilizado no Brasil. Em 1996, como em um passe de mágica, o conceito de árvore de produto se torna a base do planejamento como em um passe de mágica, a solução de como gerir projetos com base em uma norma resolveria quaisquer dificuldades encontradas pelo caminho.
O ponto é que até aquele momento, isso poderia ser válido… contudo, a internet, e a mobilidade foram para um patamar, onde estamos conectados o tempo todo. Veja abaixo, um exemplo de como o espaço virtual ganhou vida e nos inunda de informações em tempo real.
Diante de tanta tecnologia e interatividade, como anda o relacionamento humano? Nas organizações, parece que voltaram ao centro das discussões. As ferramentas técnicas de gestão de projetos são úteis, contudo não são capazes de garantir que um individuo seja capaz de fazer uma aplicação efetiva, por outro lado, essa nova condição torna a vida do gestor de projetos mais desafiadora.
A tradução neste cenário que a complexidade (que, para fins deste post significa tecer em conjunto) leva o desafio do gestor a desenvolver visão sistêmica, tanto sua quanto da equipe. A sua capacidade de combinação entre diversas ferramentas para tratar novos problemas e configurações da realidade é a chave para a competitividade. Não importa a ferramenta, mas sim os resultados e benefícios atingidos! A integração entre a visão de negócio (resultados), pessoas (vontades) e ferramentas adequadas são a chave para gestão de projetos de uma era onde a verdade de hoje é a obsolescência de amanhã. Flexibilidade de ações e de configuração de competências (criação de um time como rede neural), esse é o perfil que se espera.
Como desenvolver esse profissional em gestão de projetos? O primeiro passo é ter uma forma de mensurar o que são competências nesse contexto. Com essa anamnese é possível dar direcionamento ao profissional de quais pontos desenvolver, e qual caminho seguir.
Para a empresa, essa mensuração funciona como uma medição da capacidade de complexidade em projetos que o individuo é capaz de lidar em gestão de projetos. Imagine o setor de pessoas de uma organização ter a possibilidade de mapear as competências dos profissionais em gestão de projetos e alocá-los de acordo com as suas competências comprovadas! Sonho? Não! Realidade. O modelo de competências (conforme exemplo abaixo) por nível é um caminho possível. Além de apresentar métricas para a organização, pode ser a base para um modelo de carreira do gestor de projetos.
O fato é que muito além das competências técnicas, um fenômeno que se desenvolve no âmbito das competências contextuais (cultura organizacional) e comportamentais (cultura individual) é o contrato psicológico Para entender o desenvolvimento de um estrutura voltada para a construção de competências em geração de performance, uma questão crucial a ser observada é como manter a equipe comprometida com os resultados da organização. É notoriamente observado no mercado de gestão de projetos a falta de comprometimento, em que a natureza temporária da atividade tende a gerar um alto turnover, que pode ser um fator que ameaça a geração de valor e a gestão do conhecimento.
Como atrair e reter pessoas comprometidas e que agreguem valor à organização é uma questão central para o entendimento do comportamento organizacional. Uma das abordagens para o entendimento desta questão está relacionada com a criação de um contrato psicológico do profissional com a empresa. Assim, contratos psicológicos são as crenças dos indivíduos a respeito das obrigações recíprocas entre eles e suas organizações.
Foco na visão tradicional? Não tenho dúvidas quanto a importância das ferramentas técnicas, entretanto não podemos nos esquecer: gestão de projetos é uma ciência social aplicada e como tal, os fenômenos culturais, tanto organizacionais, quanto territoriais são fatores preponderantes na tomada de decisão do gestor de projetos! Quanto a ferramentas e técnicas, bem essas fazem parte, mas não geram valor algum sem pessoas!
BOUTINET, Jean-Pierre. Antropologia do Projeto. 5a Edição. Porto Alegre RS: Artmed Editora, 1999, 318p.