Flutuações de câmbio – como tratar no seu projeto
Este artigo discute os efeitos que podem ocorrer nos resultados financeiros de um projeto, devido a oscilações cambiais. Não existe consenso a respeito de como esses efeitos devem ser contingenciados na linha de base de custo. Porém, esses efeitos, que podem causar grandes impactos, precisam ser acompanhados pela equipe do projeto e expurgados dos resultados finais para que o desempenho financeiro seja adequadamente analisado.
Incerteza cambial em projetos internacionais
Com o passar dos anos, é cada vez mais comum nos depararmos com projetos que envolvem fornecedores, membros da equipe e/ou clientes de outros países. As fronteiras convencionais já não representam limitações tão grandes, dado o avanço nas comunicações e na tecnologia, e a facilidade que temos atualmente de deslocar pelo mundo inteiro.
Mas em tempos de incertezas econômicas ou de oscilações muito significativas no poder de compra das moedas envolvidas, diversas vezes aparece a dúvida: o risco de oscilação cambial no projeto deve ser coberto pela contingência? Dependendo da porção do custo do projeto reservado para contratos ou compras internacionais, o impacto da variação pode ser significativo, podendo até comprometer todo o resultado do projeto.
O uso de diversas moedas em projetos
Em um projeto que demanda aquisições de fornecedores estrangeiros, ou qualquer tipo de pagamento em outra moeda que não a local, podemos ter diferentes cenários. Segundo Smith, Valdes e Zeetser, tipicamente duas moedas são necessárias: a moeda local, onde serão feitos os maiores gastos de execução, e uma moeda estrangeira que se mantem fixa. Normalmente esta segunda moeda é usada para estimar o custo total do projeto e promover entendimento dos custos pelas diversas partes interessadas, que podem estar em distintos países. Além dessas duas moedas, uma terceira moeda (ou diversas outras) pode fazer parte da gestão de custos do projeto, na qual (ou nas quais) serão pagas despesas de fornecedores específicos.
Por exemplo: meu projeto terá a maior parte dos gastos em real, mas envolve a compra de equipamentos na China e na Alemanha, e a moeda oficial para orçamento de projetos na minha companhia é o dólar americano. Neste cenário, comum a muitas empresas, o orçamento é elaborado levando-se em conta os valores locais e os gastos em moeda estrangeira, e convertido ao dólar em uma cotação fixa (normalmente anual), ou de acordo com a cotação da data de fechamento do orçamento.
Até este momento, o processo descrito brevemente deve parecer familiar para muitos, mas não é a única maneira de se trabalhar o orçamento para projetos que envolvem gastos internacionais. Em geral, muitos profissionais ficam em dúvida se devem ou não considerar esse potencial efeito da variação cambial no orçamento do projeto.
Antes de explorar as opções do que pode ser feito, vamos analisar dois cenários de variação cambial, e discutir seus efeitos.
Variações cambiais e efeitos nos resultados do projeto
Vamos imaginar que o seu projeto será executado no Brasil, mas terá uma parte dos gastos em dólares. Pela política da empresa, o orçamento total aprovado é em dólares.
Como a maior parte dos gastos será em real, duas situações de variação cambial podem ocorrer, impactando o projeto de modo distinto:
• A cotação do dólar sobe, e por consequência você precisará de menos dólares para fazer frente aos valores gastos em reais, resultando em “sobra” de dinheiro (dólar) no orçamento (desvio favorável ao projeto);
• A cotação do dólar cai, e por isso serão necessários mais dólares para os gastos que serão feitos em reais, podendo gerar a necessidade de aumentar o orçamento do projeto (desvio desfavorável ao projeto em dólar).
Imagine que um projeto tem um orçamento estimado de US$ 50 milhões, dentre os quais aproximadamente US$ 15 milhões serão gastos em dólares americanos. Vamos analisar o comportamento dos custos desse mesmo projeto, se ele fosse executado em épocas distintas:
Exemplo 1:
• O projeto foi aprovado em meados de abril de 2013, com o dólar americano cotado a R$ 1,98. Isso representaria R$ 99 milhões, e R$ 29,7 milhões pela aquisição no exterior.
• Na segunda metade de agosto, com o dólar a R$ 2,45, chega o momento do pagamento da aquisição estrangeira. Neste momento, esse custo em reais é de R$ 36,75 milhões, um aumento de quase 24% no item, e de 7% no custo total do projeto (em reais), caso o restante do valor do projeto, que será gasto em reais, não seja reajustado.
Exemplo 2:
• O projeto foi aprovado no início de março de 2009, ainda sob os efeitos do pico da crise financeira mundial, com o dólar americano cotado a R$ 2,44. Isso representaria R$ 122 milhões, e R$ 36,6 milhões pela aquisição no exterior. Já é possível notar a diferença, em reais, para o Exemplo 1.
• Vamos supor que a aquisição do pacote estrangeiro foi feito ao final de setembro de 2009, com o dólar a R$ 1,77. Neste momento, o custo em reais dos gastos estrangeiros é de R$ 26,55 milhões, uma redução de 27% no item, e uma economia no projeto de 8% (em reais)!
Esses dois exemplos consideram que parte do orçamento estimado em reais não se altera, em reais, com a variação cambial, ou seja, que R$ 1,00 continua tendo a mesma capacidade de aquisição em reais no seu mercado de origem mesmo após uma possível alteração de taxas de outras moedas envolvidas no projeto. Este mesmo conceito é adotado para as outras moedas.
Porém, se consideramos que o total do orçamento será apresentado em uma única moeda – no caso o dólar (Exemplo 2) – a parcela em reais (R$ 85,40 MM) é apresentada no valor de US$ 35 MM quando o dólar estiver cotado à R$ 2,44 para cada dólar. Quando o dólar fica “mais fraco” em relação a cotação anterior, agora com uma cotação de R$ 1,77/US$, mais dólares serão necessários para comprar os reais para a parte orçada em reais, que agora representam US$ 48,25 MM.
A figura abaixo representa de forma esquemática o comportamento do total do orçamento do projeto quando apresentado em reais e em dólar em função da variação da cotação do dólar. Dados extraídos do Exemplo 1.
Observe que normalmente a cotação do dólar é apresentada em unidades de reais por um dólar; desta forma a função de apresentação do projeto em reais é uma proporção direta (linha continua), sendo inversamente proporcional quando apresentado em dólares (linha tracejada).
Como tratar o tema na estimativa de custo do projeto?
O Guia PMBOK© não deixa claro se os potenciais efeitos cambiais devem estar dentro da contingência ou não. Em teoria, a contingência deve cobrir os knowns unknowns, ou seja, aqueles riscos que foram identificados na análise realizada durante o planejamento. Para os riscos desconhecidos (unknowns unkonwns) existe a reserva gerencial, que não compõe a estimativa de custos original do projeto, e não está sob o controle do gerente do projeto. A reserva gerencial é uma reserva adicional que a empresa deveria alocar para cobrir riscos totalmente fora da perspectiva ou controle da equipe do projeto.
Então aqui aparece a dúvida: o risco cambial é conhecido pela equipe, então isso pode fazer parte da contingência, certo? Mais ou menos. Sabemos do risco, mas como quantificá-lo? Como saber o quanto o dólar ou o real (no nosso caso) irão oscilar? Se fosse possível antecipar esses movimentos, certamente estaríamos trabalhando no mercado de câmbio, e não com projetos.
Uma vez que não há definição clara a respeito, como a equipe do projeto deve considerar esse risco? Na contingência ou na reserva gerencial?
As duas opções (ou soluções?) para o mesmo caso
Já tivemos a oportunidade de ver dois tratamentos distintos para este mesmo caso:
Uma empresa multinacional decidiu executar um grande projeto, com custo orçado acima de US$ 1 bilhão. Apesar de a empresa ser multinacional, esse projeto era o maior e mais importante da empresa naquele momento. Prevendo o risco cambial, uma vez que uma parcela significativa dos gastos seria feito em moeda estrangeira, a equipe do projeto aprovou com a Diretoria a contratação de um hedge, uma proteção onde se fixa o valor de uma moeda no futuro, ou compra-se o direito de adquirir uma certa quantidade desta moeda a um valor já definido. E esse custo foi considerado como parte do custo indireto do projeto.
O que acabou acontecendo é que o projeto foi executado em meio à crise na economia mundial que eclodiu em 2008, e o dólar disparou. Se não fosse pela proteção, a empresa teria um impacto muito grande no seu fluxo de caixa, comprometendo inclusive a operação da empresa naquele país.
Já em outras situações, empresas que têm mais projetos em execução e/ou possuem receitas lastreadas na mesma moeda estrangeira, normalmente tratam essa questão com uma visão corporativa, ou como reserva gerencial. Isso quer dizer que elas não fazem lastros por projeto específico, mas protegem o negócio da exposição às oscilações de câmbio através de um hedge corporativo, ou pelas próprias receitas em dólar (ou em outra moeda estrangeira). Isso dispensa os projetos de anteciparem questões cambiais na sua estimativa.
Pensando ainda na relação com as contratadas e na transferência ou não dos riscos cambiais, os autores sugerem a leitura do artigo Currency Fluctuation and Inflation Impact on International Mega-Projects: A Mexican Case Study (PUERTO, 2011). Esse artigo demonstra uma boa prática na relação contratante-contratado em relação a riscos de câmbio e inflação: o contratante assume em contrato os riscos de variação, evitando que as contratadas especulem com os valores e adicionem valores muito altos para prevenir riscos que podem não acontecer, ou mesmo para evitar que as contratadas subestimem os riscos e depois não tenham condições de executar o contrato.
Conclusões
Vimos que não há uma regra definida para cobrir esse problema. Dependendo do risco para a empresa daquela exposição específica. Se um projeto muito importante pode enfrentar variações cambiais significativas, e isso pode expor a empresa a danos maiores, o projeto pode tratar esse caso como um risco particular, inclusive arcando com este custo. Desta forma, o valor correspondente estaria alocado na contingência.
Já em casos em que a empresa possui receitas em moeda estrangeira, que podem contrabalancear o risco, ou em que a exposição seja muito alta devido a toda a carteira de projetos, então uma proteção corporativa torna-se mais adequada, pois reduz os custos e leva em conta o cenário completo enfrentado pela corporação. Neste caso, o valor correspondente estaria alocado na reserva gerencial.
O mais importante, para controle do projeto, é não deixar que o orçamento sofra um desvio significativo motivado por variações cambiais, ou que então o projeto tenha uma adição extra de recursos em moeda local somente pela alta da moeda estrangeira que serve como lastro para o orçamento. Nessas duas situações, o efeito do câmbio, externo ao projeto, irá certamente alterar o resultado final do orçamento, e de modo artificial.
É preciso, portanto, diferenciar os controles do projeto, de modo a eliminar, para efeitos de análise de desempenho de custo, os efeitos cambiais. Caso contrário, a equipe do projeto pode ser artificialmente beneficiada ou prejudicada, por efeitos externos.
Não há definição clara de que este risco deve ser coberto pela contingência ou pela reserva gerencial. Mas é certo que não podemos simplesmente ignorá-lo. E na sua empresa, como funciona na prática? Onde este risco é considerado? Como o negócio trata esse tipo de ameaça?
Referências
1. Smith, John. Valdes, Fred. Zeetser, Oleg. Fluctuating Currency Budget Management. 1994 AACE Transactions. RM.2
2. Project Management Institute (2013). A Guide to the Project Management Body of Knowledge (PMBOK©) (5th. ed.). Newtown Square, PA, EUA.
3. Puerto, Carla Lopez del. Currency Fluctuation and Inflation Impact on International Mega-Projects: A Mexican Case Study. 2011 AACE Transactions.
Coautoria
Este artigo foi elaborado em conjunto com o colega Marcelo Valadares, experiente profissional da área de engenharia de custos, ao qual agradeço o apoio e a colaboração.
MARCELO VALADARES PASSOS, PMP, CCP
Engenheiro Civil com pós-graduação em Gerenciamento de Projetos com certificação PMP© (Project Management Professional) pelo PMI© (Project Management Institute) e CCP© (Certified Cost Professional) pela AACE (Association for the Advancement of Cost Engineering). Tem experiência como gerente de setor de orçamento de empresas de construção civil, atuando para obras industriais e comerciais. No setor de mineração atuou como responsável por elaboração de estimativa de investimento em grades e Mega Projetos tais como Juruti, Bayovar, S11D, Expansão MRN, Expansão Minas-Rio entre outros. É engenheiro especialista da Vale em Belo Horizonte-MG, onde atua na elaboração de estimativa de investimento de projetos na diretoria de não ferrosos.